Parte 5 - O Trapaceiro Sabichão

Assim como todas as formas da sombra dos arquétipos do masculino imaturo podem persistir até a idade adulta, a sombra bipolar da Criança Precoce (REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE) pode ser observada nos homens adultos, na medida que estes manifestam um infantilismo inadequado em sua maneira de pensar, sentir e se comportar.
Quando o arquétipo do Trapaceiro Sabichão é constelado por um homem adulto, via de regra, observa-se uma energia masculina que faz trapaças (como o próprio nome sugere), de natureza mais ou menos séria, com a sua própria vida e com a dos outros. Ele é hábil em criar aparências para tapear o seu entorno. Depois de seduzir as pessoas com suas verdades, puxa-lhes o tapete, rindo às suas costas. Segundo Gillette e Moore: “Nos conduz a um paraíso no meio da floresta só para nos servir um banquete à base de cianeto”. Está sempre à procura de um otário; suas brincadeiras são de mau gosto; gosta de fazer as pessoas de bobo; enfim, é um manipulador.
“O Sabichão é aquele aspecto do Trapaceiro no menino ou no homem que gosta de intimidar os outros. O menino (ou homem) dominado pelo Sabichão fala muito. Está sempre com o dedo levantado na sala de aula, não porque queira participar da discussão, mas porque quer que seus colegas entendam que ele é o mais inteligente. Quer fazê-los acreditar que, comparado com ele, são uns bobalhões” (Gillette e Moore, 1993, p. 29).
Uma vez que o menino possuído pelo Sabichão não se limita a mostrar sua inteligência, mas também costuma ofender quem ele acha inferior, acaba fazendo muitos inimigos. Na escola, é comum se envolver em brigas com outros garotos, mesmo que saia dessas brigas com olho roxo, nada abala a sua convicção de superioridade.
O homem Sabichão que continua possuído pela forma da sombra infantil da Criança Precoce (REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE) mostra a sua superioridade nas roupas e acessórios que costuma exibir: canetas Montblanc Meisterstück ou Pelikan Souverän; gravatas de seda italiana; relógios Rolex ou Patek Philippe, revelando que é muito importante e que está muito ocupado para falar com você no momento. Costuma ser presunçoso e frequentemente exibe um sorriso de superioridade. Ele frequentemente monopoliza as conversas, convertendo debates amigáveis em pregações e críticas. Despreza aqueles que não compartilham seu conhecimento ou cujas opiniões divergem das suas.
De acordo com os autores, há nesse arquétipo o lado positivo: “É muito bom para esvaziar os egos, o nosso e dos outros. E quase sempre precisamos disso. Consegue localizar, num instante, quando, e exatamente de que modo, estamos inflados e identificados com a nossa grandiosidade. E ataca, para nos reduzir à condição humana e nos expor todas as nossas fraquezas. Esse era o papel do bobo da corte na Europa medieval. Quando todo mundo, no meio de uma grande cerimônia, estava adorando o rei, e o próprio rei já estava começando a se adorar, o Bobo dava uma cambalhota no meio dos rapapés e peidava! Ele queria dizer: ‘Não fique inchado, somos todos seres humanos aqui, não importa a condição social que nos conferimos uns aos outros’” (Gillette e Moore, 1993, p. 30).
O arquétipo do Trapaceiro Sabichão (ou Trickster, em inglês) é também uma figura complexa e fascinante que aparece em mitologias, contos e narrativas modernas. Ele é conhecido por sua astúcia, inteligência, capacidade de enganar e, muitas vezes, por desafiar as normas sociais e cósmicas. No contexto contemporâneo, um personagem que encarna bem esse arquétipo é o Loki, da Marvel, especialmente como retratado nos filmes do Universo Cinematográfico Marvel (MCU).
Loki é o deus da trapaça na mitologia nórdica, e essa característica é mantida nos filmes. Ele constantemente usa sua inteligência e habilidades de manipulação para enganar outros personagens, como Thor, Odin e até mesmo Thanos. Em Thor (2011), ele manipula eventos para assumir o trono de Asgard, enganando tanto Thor quanto seu pai, Odin. O Trapaceiro Sabichão frequentemente desafia as regras estabelecidas, e Loki faz isso de maneira brilhante. Ele não se encaixa nem no papel de herói nem no de vilão completo, oscilando entre os dois ao longo dos filmes. Em Thor: Ragnarok (2017), ele ajuda Thor a derrotar Hela, mas não sem antes tentar traí-lo várias vezes. O Trapaceiro Sabichão muitas vezes traz humor e caos às histórias, e Loki é conhecido por seu sarcasmo e por criar situações imprevisíveis. Suas interações com os Vingadores em Os Vingadores (2012) são cheias de ironia e provocação. Esse arquétipo também está associado à transformação e à adaptação. Loki é um mestre em mudar de forma, assumir identidades diferentes e se adaptar a novas situações. Em Thor: O Mundo Sombrio (2013), ele finge sua própria morte e assume a identidade de Odin para governar Asgard. Loki não é completamente bom nem completamente mau. Suas motivações são complexas, e ele frequentemente age em benefício próprio, mas também pode ajudar os outros quando isso lhe convém. Em Vingadores: Ultimato (2019), ele rouba o Tesseract e desaparece, mostrando que, mesmo em momentos críticos, ele prioriza seus próprios interesses.
No cenário político brasileiro, é possível identificar figuras públicas que, em determinados momentos ou contextos, apresentam características que se assemelham ao arquétipo do Trapaceiro Sabichão (ou Trickster). Esse arquétipo é marcado por astúcia, manipulação, humor irreverente, desafio às normas e, muitas vezes, por uma ambiguidade moral que oscila entre o bem e o mal.
Contudo, essa dinâmica não se limita ao mundo político; ela também se reflete no comportamento de indivíduos influenciados por esse arquétipo. O Trapaceiro manipula o menino (ou o homem infantil), fazendo-o entrar em conflito com a autoridade. Ele sempre encontra alguém para odiar e, eventualmente, matar. Sua crença de que todos os homens no poder são corruptos e exploradores é quase automática. No entanto, assim como o homem possuído pelo Príncipe Covarde (REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE), ele está destinado a permanecer à margem da vida, incapaz de assumir responsabilidade por si mesmo ou por suas ações.
Segundo Gillette e Moore, quanto menos um homem tiver contato com seus verdadeiros talentos e capacidades, mais invejará os outros. Sendo assim, a energia desse arquétipo provém da inveja. Quando um homem é muito invejoso, está negando a sua própria grandeza real, a sua própria Criança Divina (REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE). O que deve ser feito é procurar suas características especiais, sua beleza e criatividade, sendo que a inveja bloqueia a criatividade.
O Trapaceiro é o arquétipo que corre para ocupar o vazio deixado no homem imaturo, ou no menino, pela negação ou falta de contato do menino com a Criança Divina (O ACESSO À CRIANÇA DIVINA - COMO CONSTELAR O ARQUÉTIPO DA CRIANÇA DIVINA). Os autores nos ensinam que o Trapaceiro age dentro dos homens quando os pais ou irmãos mais velhos os rebaixam ou os criticam; quando foram emocionalmente agredidos. Se o homem não sentir que é especial durante o processo de desenvolvimento, ficará nas mãos do Trapaceiro, do “Sabichão”, e esvaziará nos outros o sentimento de ser especial, mesmo quando tal esvaziamento não se faz necessário. O Trapaceiro Sabichão não tem heróis, porque para isso é preciso admirar os outros. E só é possível admirar as outras pessoas quando o homem tem a noção do seu próprio valor e segurança.
Referências Bibliográficas:
Rei, Guerreiro, Mago, Amante – A Redescoberta dos Arquétipos do Masculino. Robert Moore, Douglas Gillette - Rio de Janeiro: Campus, 1993.
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