REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE
- Maria Angelina Marzochi
- 15 de jan.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de mar.
Parte 1 – A CRIANÇA DIVINA
Segundo Carl Jung, arquétipos são padrões de comportamento e imagens primordiais que residem no inconsciente coletivo, uma camada mais profunda do inconsciente compartilhada por toda a humanidade. Estes arquétipos influenciam nossos pensamentos, emoções e ações, agindo como modelos ou protótipos universais.

Alguns arquétipos são bastante conhecidos, graças ao cinema e à arte de modo geral, como, por exemplo, os arquétipos do Herói, que representa a luta contra adversidades, a coragem e a busca por grandes conquistas; a Sombra, que engloba os aspectos reprimidos e sombrios da nossa personalidade que não queremos reconhecer; o Velho Sábio, que simboliza sabedoria e orientação, muitas vezes personificado como mentor ou conselheiro e, por fim, a Grande Mãe, que reflete nutrição, proteção e fertilidade, mas também pode ter aspectos devorador e destruidor.
Meu objetivo é explorar os arquétipos do Rei, Guerreiro, Mago e Amante, conforme propostos por Gillette e Moore (1993). No entanto, considero essencial iniciar pela análise do arquétipo da Criança Divina, que representa a energia masculina primitiva, remetendo ao período inicial da história ou ao começo de algo.
É amplamente conhecido que, em praticamente todas as religiões ao redor do mundo, existem narrativas sobre bebês milagrosos. No cristianismo, por exemplo, encontramos a história de Jesus, um menino nascido de uma virgem. Uma criança indefesa que precisou fugir para o Egito para escapar da perseguição de Herodes.
Outro exemplo notável é a lenda do nascimento do profeta Zoroastro, repleta de milagres, magos e ameaças à sua vida. No judaísmo, temos a história de Moisés, destinado a libertar seu povo. Criado como príncipe egípcio, ele enfrentou perigos logo nos primeiros dias de vida, quando um decreto do faraó ameaçou sua existência. Indefeso, foi colocado à deriva no rio Nilo, dentro de um cesto de junco, até ser resgatado pela filha do próprio faraó.
Há ainda lendas mais antigas que contam sobre Sargão da Acádia, sempre protegido pela deusa Inana contra as tentativas do rei Ur-Zababa de assassiná-lo. Na mitologia grega, temos o bebê Hércules, que esmagou com as próprias mãos a serpente enviada por Hera – a esposa vingativa de Zeus. E, também, já ouvimos histórias sobre o bebê Buda, o bebê Krishna e sobre o bebê Dionísio.
O que muitas vezes passa despercebido é que a figura do Bebê Divino, presente em diversas tradições religiosas, também reside dentro de todos os homens, como destacam Gillette e Moore (p. 20) ao explorarem a psicologia do menino. Todo homem, ao nascer, encarna a Criança Divina, um arquétipo que deve permanecer vivo ao longo de sua existência. Em momentos de crise, reconectar-se com essa Criança Divina interna pode ser a chave para desbloquear a criatividade e a capacidade de ação. Os arquétipos que fundamentam a infância não se perdem com o tempo; o homem maduro transcende as forças masculinas da infância, integrando-as e transformando-as, em vez de destruí-las (p. 15).
Quantos homens-meninos chegam aos nossos consultórios carregando histórias de infâncias marcadas por desafios precoces? Homens que, ainda nos primeiros dias de vida, tiveram uma serpente colocada em seus berços por uma mãe-Hera e foram forçados a lutar pela sobrevivência antes mesmo de estarem prontos? Ou aqueles que, ainda muito jovens, precisaram fugir para o 'Egito' simbólico, porque, em suas vidas, seus próprios pais encarnavam a figura de Herodes?
Conheço um jovem que, na primeira infância, enfrentou todo tipo de maus-tratos. Quando seus pais o colocaram em um cesto de junco e o lançaram à deriva no rio da vida, na outra margem do rio estava sua avó paterna, pronta para acolhê-lo como se fosse uma Criança Divina. Essa mulher, simples e cheia de amor, o salvou.
Nem todas as Crianças Divinas terão a sorte de encontrar pais ou cuidadores amorosos que as guiem na longa jornada para se tornarem Reis, Guerreiros, Magos ou Amantes.
“O traficante de drogas, o líder político indeciso, o marido que bate na mulher, o chefe eternamente ranzinza, o jovem executivo metido a importante, o marido infiel, o funcionário “capacho”, o orientador de pós-graduação indiferente, o pastor “santificado”, o membro da gangue, o pai que nunca encontra tempo para participar das programações na escola da filha, o treinador que ridiculariza os seus atletas talentosos, o terapeuta que inconscientemente agride o “brilho” de seus clientes e busca para eles uma espécie de normalidade opaca, o yuppie – todos esses homens têm alguma coisa em comum. São, todos, meninos que fingem ser homens. Ficaram assim honestamente, porque ninguém lhes mostrou o que é um homem amadurecido. O tipo de adulto do sexo masculino que eles representam é uma pretensão que a maioria de nós quase não percebe como tal. Estamos continuamente confundindo o comportamento controlador, ameaçador e hostil desse homem com a força. Na verdade, ele está mostrando que no fundo é extremamente vulnerável e fraco, que tem a vulnerabilidade do menino magoado (Gilette e Moore, 1993, p.13) ”.
A Criança Divina malconduzida corre o risco de se tornar um Príncipe Covarde ou o Tirano da Cadeirinha Alta, mas isso é tema para um próximo post.
Leia sobre o arquétipo do Príncipe Covarde em: REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE
Leia sobre o arquétipo do Tirano da Cadeirinha Alta: REI: O ARQUÉTIPO MASCULINO EM SUA PLENITUDE
Bibliografia: Rei, Guerreiro, Mago e Amante - A redescoberta dos Arquétipos Masculinos. Robert Moore, Douglas Gilette, Rio de Janeiro: Campus, 1993.
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