No post “A CRIANÇA DIVINA”, trouxe uma pequena noção sobre o que é um arquétipo. Agora se faz necessário falar sobre o significado da expressão “constelar um arquétipo”.
Na Psicologia Junguiana, "constelar um arquétipo" refere-se ao processo pelo qual um arquétipo, que é uma imagem ou padrão universal presente no inconsciente coletivo, se torna ativo e manifesta-se na consciência de um indivíduo. Esse processo pode ocorrer em resposta a situações específicas, emoções intensas ou experiências significativas, fazendo com que o arquétipo influencie pensamentos, comportamentos e percepções da pessoa.
Por exemplo, em momentos de crise, o arquétipo do "Herói" pode ser constelado, levando a pessoa a agir com coragem e determinação. Da mesma forma, o arquétipo da "Sombra" pode ser constelado quando aspectos reprimidos da personalidade emergem, muitas vezes de maneira desafiadora.
Segundo Gillette e Moore (1993), para o homem chegar à Criança Divina de forma adequada, precisa primeiro reconhecê-la sem se identificar com ela. É necessário amar e admirar a criatividade e a beleza desse aspecto primitivo do si-mesmo* masculino. Se o homem não tiver essa ligação com esse arquétipo, ficará difícil ver as possibilidades que a vida traz – talvez não consiga aproveitar as oportunidades de renovação.
Na Psicologia Junguiana, o arquétipo da "Criança Divina" representa a renovação, a inocência, o potencial e a promessa de um novo começo. Para um homem maduro, constelar esse arquétipo pode ocorrer em momentos de transformação pessoal, quando ele se reconecta com aspectos de sua própria infância ou quando busca um novo propósito na vida.
Isso pode acontecer durante eventos significativos, como o nascimento de um filho, a busca por um novo caminho profissional, ou até mesmo em momentos de crise que exigem uma reavaliação profunda de valores e objetivos. A constelação da Criança Divina pode trazer uma sensação de esperança, criatividade e renovação, permitindo que o indivíduo veja o mundo com novos olhos e encontre novas possibilidades.
Marie-Louise von Franz (1992) nos conta que entre nós há duas crianças – uma está à nossa frente e a outra atrás de nós. Esta última é a nossa sombra infantil, a infantilidade que deveria ser sacrificada, ou seja, aquilo que sempre nos puxa para trás, nos levando à imaturidade, dependência, preguiça, falta de seriedade, fuga da responsabilidade e da vida. E a criança que corre à nossa frente simboliza a renovação, a possibilidade de juventude eterna na espontaneidade e novas possibilidades de ser e estar no mundo, e assim, a vida corre em direção ao futuro criativo.
A Criança Divina pode estar oculta por trás de feridas da infância, traumas ou aspectos negligenciados da personalidade. Um homem maduro pode começar refletindo sobre sua própria infância: o que foi reprimido, abandonado ou não vivido plenamente? Para reconhecer e integrar a sombra infantil é preciso acolher a criança amedrontada, insegura e magoada que o impede de seguir em frente.
Gillette e Moore (1993) sugerem que o homem precisa fazer duas perguntas a si mesmo. A primeira não é se ele está manifestando o arquétipo do Tirano da Cadeirinha Alta ou do Príncipe Covarde, mas sim como ele está fazendo isso – porque, segundo os autores, todos os homens manifestam os dois arquétipos em alguma medida e de alguma forma. No mínimo, regredimos à nossa Criança quando estamos cansados ou extremamente assustados (p.27). A segunda pergunta não é se a Criança Criativa os habita, mas sim como eles estão homenageando-a ou deixando de homenageá-la. Se não é possível senti-la na vida pessoal e no trabalho, então a pergunta a se fazer é como ela está sendo bloqueada.
Havia um jovem médico que tinha como hobby o modelismo automotivo. Nas horas livres, ele se entregava à construção e à personalização de modelos de automóveis em escala reduzida, com muita atenção aos detalhes e precisão que se assemelhavam a veículos reais. A cada projeto concluído, ele me contava sobre os detalhes com a alegria de uma criança. Assim, eu podia identificar no brilho do seu olhar a Criança Divina, criativa, que acessa o lúdico. Porém, sua companheira só via naquele ato um hobby com desperdício de tempo e dinheiro e o acusava de não ter saído da infância.
As crianças nos ensinam sobre o lúdico, sobre o fantasiar, o brincar ingênuo, e penso que esses são aspectos saudáveis da infância que não devem morrer no adulto. A Criança Divina se expressa naturalmente por meio da criatividade e da brincadeira. Um homem maduro pode acessar esse arquétipo ao engajar-se em atividades artísticas como a pintura, a música e a escrita. Pode e deve permitir-se brincar, seja com crianças, em hobbies ou em situações cotidianas para explorar novas formas de expressão que tragam alegria e leveza. Um homem maduro não pode deixar de cultivar o senso de maravilhamento, como Alberto Caeiro, quando diz poeticamente: Sinto-me nascido a cada momento/ Para a eterna novidade do mundo...(Pessoa, F. 2005, p.19).
Não existe uma receita de bolo para acessar o arquétipo da Criança Divina, cada experiência é única, lembrando que acessar o arquétipo é diferente de identificação. Na identificação não há possibilidade de individuação, seria como estar narcotizado por uma imagem.
Acessar o arquétipo da Criança Divina também não significada ser um adulto infantilizado. Trata-se de viver com mais leveza, permitir sentir espanto diante de pequenas coisas da vida. Reconectar-se com a inocência e a autencidade, abandonar determinadas máscaras sociais e permitir-se ser vulnerável. Reconhecer e honrar suas emoções genuínas, sem julgamento. Buscar relações autênticas, onde possa expressar sua verdadeira essência. Celebrar novos começos (aniversários, mudanças de ciclo). Praticar atividades que simbolizem renascimento, como nadar, dançar ou plantar algo novo. Fazer uma jornada interna, visualizando-se como uma criança radiante e cheia de potencial.
Aceitar a dualidade: vulnerabilidade e força. A Criança Divina é um arquétipo paradoxal, ela representa tanto a inocência e a fragilidade quanto a resiliência e o potencial de transformação. Um homem maduro pode acessar esse arquétipo ao abraçar sua vulnerabilidade sem medo, reconhecendo que ela é fonte de força e renovação. Praticar o auto perdão e a compaixão, perdoar-se por erros do passado. Tratar sua criança interior com amor e compaixão, liberando culpas e ressentimentos que impedem o fluxo de energia vital.
Acessar o arquétipo da Criança Divina não significa regredir ou infantilizar-se, mas sim integrar a energia vital, criativa e renovadora que esse arquétipo traz. Para um homem maduro, isso pode significar um renascimento espiritual, uma maior conexão consigo mesmo e com o mundo ao seu redor, e uma vida mais autêntica e plena.
Comments