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O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS

Foto do escritor: Maria Angelina MarzochiMaria Angelina Marzochi

Atualizado: 26 de jan.

Livro Tibetano dos Mortos (Bardo Thodöl)


O Livro Tibetano dos Mortos, considerado pela tradição budista tibetana como um dos maiores tesouros da terra, não é somente um guia para o pós-morte, mas é também um guia para a vida, uma vez que traz consciência para o novo.


O livro é dividido em bardos, que significa: travessia, portal, umbral. Enquanto, Thodöl significa doutrina da libertação pela audição ou visão (1).


Ou, ainda, Bardo Thodöl, onde bardo é "transição" e thodöl é "liberação", denominado também de A Grande Libertação Pela Auscultação Durante os Estados Intermediários ou Liberação Através da Escuta (2).


Primeiro Bardo


"O tempo caminha em direção a ti para te levar a novos planos de realidade" – ao nascer, partimos da dependência absoluta rumo à nossa independência. O processo de amadurecimento encerra-se com a nossa morte. Durante toda a nossa travessia, os planos de realidade vão se apresentando de maneira diferente; vamos ampliando nossa consciência, atravessando portais nos quais uma nova configuração da realidade se faz presente. Somos seres do tempo; o ser humano é uma amostra no tempo da natureza humana. A vida de uma pessoa consiste num intervalo entre dois estados de não-estar-vivo (Winnicott, 1988).


"O teu ego e teu nome estão em jogo de acabar. Estás pondo-te em frente da Luz Clara. Tu estás experimentando essa realidade. No estado de liberdade do ego, onde todas as coisas são como um céu vazio, sem nuvens. E o intelecto nu e limpo é como um enxerto vazio. Neste momento, conhece por ti mesmo e habita neste estado. O que é chamado morte do ego está vindo para ti."


O ego é a instância em nós, que pensa que tudo sabe, pensa que é o deus do Olimpo, pensa que está controlando tudo, é a maneira pela qual nos apresentamos e nos colocamos em sociedade. Para a Psicologia Junguiana, o ego é um conceito central que se refere à instância psíquica responsável pela consciência e pela identidade pessoal. Ele é o centro organizador da mente consciente e atua como o "núcleo" da nossa percepção de nós mesmos. O ego é o centro da consciência e da identidade pessoal, mas não representa a totalidade do ser. Ele é uma parte essencial da psique, mas seu desenvolvimento pleno depende da integração com o inconsciente e do alinhamento com o Self. O ego é, portanto, um ponto de partida para o processo de individuação, que busca a realização da totalidade psíquica.


Ao nos colocamos diante da "Luz Clara", temos a oportunidade de ampliarmos nossa consciência, e, talvez entrar em contato com nossa totalidade. Então, perceberemos que o ego é uma pequena parte do ser. Para o encontro com a nossa totalidade, é preciso experimentar o vazio fértil, através da meditação, da arte, da religião ou quando nos deparamos com a grandiosidade da natureza, como uma paisagem de tirar o nosso fôlego. Conseguimos experimentar a morte do ego; é como tocar os céus, é um momento grandioso poder habitar este estado, mesmo que por alguns segundos.


O Livro Tibetano dos Mortos possui três bardos: o bardo do momento da morte, o bardo da experimentação da realidade e o bardo do renascimento. Durante a nossa vida, experimentamos infinitos momentos de morte. A cada escolha que deixamos de fazer em detrimento de uma escolha eleita, experimentamos a morte daquilo que deixamos de escolher e nunca saberemos como teria sido se a escolha fosse outra. Tudo aquilo que não pôde ser vivido se esvaneceu. A morte é um tema presente em nossa vida desde a nossa primeira respiração – o nosso primeiro e último ato.


Se nada der errado durante o nosso processo de desenvolvimento emocional, se tivermos a sorte de termos cuidadores suficientemente bons em um ambiente saudável, poderemos experimentar uma vida real, que vale a pena ser vivida. Não nos submeteremos ao mundo, mas experimentaremos o mundo, e, ao fazermos experiências, vamos nos constituindo como um ser real que tem a possibilidade de construir uma vida autêntica.


Para cada morte que experimentarmos, poderemos renascer de nós mesmos, da dor parir uma nova vida, uma nova forma de ser no mundo - "Aprendi com a primavera a deixar-me cortar e voltar sempre inteira" (Cecília Meireles, 2001).


"És afortunado ao ter gratuitamente esta experiência de renascimento que se te oferece. Não te apegues com essa debilidade ao teu velho Eu. Inclusive, se te apegas à tua mente, já perdeste o poder de a manter. Pela luta, não poderás conseguir nada neste mundo alucinatório."


Se nos mantivermos cristalizados em antigas formas de ser-no-mundo, se nos mantivermos apegados ao passado, vivendo-o como se fosse presente, iremos postergar a experiência de renascimento, ficaremos lutando em nosso mundo de fantasia – um mundo alucinatório criado pelas nossas neuroses e dissociações.


Nos pequenos trechos expostos aqui, foi possível fazer analogias com a vida. Por isso, reafirmo que o Bardo Thodöl é um manual para a vida. É um livro de cabeceira que deve ser lido com profunda atenção para vislumbrarmos novos portais de consciência. É um texto sagrado do Budismo Tibetano que serve como guia para os estados intermediários entre a morte e o renascimento, mas também como um manual para viver uma vida consciente e plena. Ele ensina que a morte é uma oportunidade para a liberação espiritual e que a mente é a chave para transcender o ciclo de nascimento e morte (samsara).



Referências Bibliográficas


(1) Bardo Thodöl, o Livro dos Mortos Tibetanos - parte 2 - Nova Acrópole Escola de Filosofia Internacional, publicado em 16 de abr de 2012. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=_2_g1cJj3Ss&t=2500s>


(2) O Livro Tibetanos dos Mortos . Wikipédia. Disponível em

< https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Livro_Tibetano_dos_Mortos> Acesso em 30 jul 2018


Meireles, Cecília. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.


Winnicott, Donald W. Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1988.






 
 
 

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