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Entre nós há duas crianças: a do passado e a do futuro

Foto do escritor: Maria Angelina MarzochiMaria Angelina Marzochi

Atualizado: 26 de jan.


Quando a criança do passado foi profundamente ferida, ou abandonada e não amparada na sua fragilidade; quando a sua dor não pôde ser acolhida de forma segura por pessoas amorosas; quando os seus sentimentos não puderam ser expressos, nomeados e validados; quando o seu processo de desenvolvimento não pôde acontecer de forma plena, provavelmente, esta criança, com a alma ferida, virá se arrastando atrás de você. Caminhará a três passos atrás, de mãos dadas com você ou agarrada em uma de suas pernas, e te impedirá de seguir em frente livremente de forma segura.


Ela irromperá nos relacionamentos da vida adulta, fazendo exigências sem limites, cobranças excessivas, criando fantasias persecutórias, com acessos de raiva que se alternarão com períodos de melancolia. Todas as pessoas decepcionarão a criança do passado tal como a mãe ou a vida a decepcionou.


Assim como a criança que não pode se desenvolver plenamente, o adulto, talvez não poderá florescer em sua plenitude, uma vez que está preso a sua sombra infantil, que o puxa para trás levando-o à imaturidade, à dependência, ao ressentimento, à fuga de suas responsabilidades e da vida de modo geral.


As crianças negligenciadas de qualquer classe social, que foram forçadas a abandonar a infância e cair na realidade, não elaboraram o problema das ilusões infantis, mas apenas o reprimiram. Têm certeza que seu desejo de amor e seus ideais nunca serão satisfeitos, permanecem completamente mergulhadas em suas ilusões infantis: o desejo de ter uma mãe que a amasse ou de felicidade permanece o mesmo, encontra-se apenas reprimido (Marie-Louise Von Franz).


Nem todos fugirão às suas responsabilidades, e, mesmo com a criança do passado agarrada em sua perna, irão em busca de felicidade, mas não a encontrarão no formato que procuram. O grande paradoxo é que devemos caminhar para frente, em direção ao futuro que ainda não existe, e para dentro de nós mesmos. Para curar a criança ferida do passado, alguns irão em busca de bens materiais: uma linda casa em um condomínio de luxo, um carro último tipo, uma casa de veraneio – tudo em vão, pois a criança segue com sua ferida na fase inflamatória aguda, e um sentimento de vazio toma conta do adulto. O grande paradoxo é que a felicidade não mora no mundo da matéria; ela é feita de substância sutil, então, sua morada fica além das brumas das ilusões.


Enquanto estivermos olhando para a criança do passado, perderemos de vista a criança que corre na nossa frente, em direção ao futuro. Ela representa a renovação, a possibilidade de juventude eterna, espontaneidade e de novos acontecimentos – essa criança corre em direção ao futuro criativo; ela é fonte de vida. Entrar em contato com ela produz uma enorme sensação de bem-estar e de leveza. Só as crianças conseguem atravessar as brumas das ilusões materiais e adentrar na morada da felicidade.



Referências Bibliográficas:

Puer aeternus: A Luta do Adulto Contra o Paraíso da Infância. Marie-Louise Von Franz. São Paulo: Editora Paulus, 1992.

 
 
 

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