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“TUTTO QUELLO CHE VUOI”: FENÔMENO DA BÚSSOLA PERDIDA

Atualizado: 12 de ago. de 2018


Muito tem se falado do feminismo iniciado na Revolução Francesa e que ganhou força após a 2ª. Guerra Mundial, dos seus caminhos e descaminhos, dos contras e dos prós e de toda a polêmica que este tema traz para a discussão à luz do dia. E de outro tema, um pouco mais recente, que é a discussão sobre a Identidade de Gênero, que trouxe à tona questões como a transgeneralidades, gênero e orientação sexual e toda a polêmica que envolve essas questões.


Em resumo, esses movimentos lutam pela igualdade de direitos, todos querem ser reconhecidos e legitimados como tal, mas tem um outro fenômeno acontecendo na sombra, que tem me preocupado muito e não vejo quase ninguém o trazer para discussão. É sobre nossos “meninos”, eles estão perdidos, eles estão adoecidos, eles estão caminhando no escuro sem bússola, ou, para ser mais atual, eles estão caminhando em um beco escuro, acabou a bateria do celular e não é possível acessar o Waze.


Eles estão abusando cada vez mais do álcool e de outras substâncias, a depressão tem os afetados de maneira silenciosa, porque ainda é vista como uma doença de “fresco” e pode comprometer sua masculinidade. Conforme a nossa cultura vigente: “Homem não chora” ou “homem que é homem não expressa seus sentimentos”.


As mulheres têm maior propensão a depressão, porém procuram ajuda rapidamente, enquanto a depressão silenciosa do homem o leva ao suicídio. Os homens têm propensão quatro vezes mais que a mulher para o suicídio.


Um outro caminho que nossos meninos estão percorrendo, é o caminho para o suicídio da alma, dos sonhos, da ternura, da ética. Eles estão sendo amontoados pelo Estado em Sistemas Prisionais, e estão sendo empurrados para dentro das facções criminosas que administram o sistema penitenciário deste país. Lá eles são iniciados ao mundo adulto da pior maneira possível.


Lembrando que a legislação brasileira caminha na contramão da história, produzindo mais desgraça do que justiça, mais mal social do que bem social, mais desigualdade do que igualdade.


Esse fenômeno da bússola perdida (por mim assim nomeado), é um fenômeno mundial, não é prerrogativa do Brasil.


Um filme italiano recente, “Tutto quello che voui”, de maneira delicada, conta a história de um grupo de amigos, que puderam contar com a mediação de um velho poeta de 85 anos para encontrar a bússola perdida.


O que havia em comum entres esses meninos é que nenhum deles conviviam com homens mais velhos que pudessem iniciá-los ao mundo masculino. Haviam abandonado os estudos, gastavam seu tempo jogando vídeo game, fumando maconha e bebendo no bar, e, consequentemente, envolviam-se em arruaças.


O pai de Alessandro , um homem patético e desajeitado, conseguiu um emprego de cuidador para o filho. Ele deveria levar Giorgio, um velho poeta de 85 anos e com alzheimer para passear todas as tardes. Durante essas caminhadas nasce uma grande amizade entre os dois.


Os amigos de Alessandro ficam curiosos e começam a frequentar a casa do velho poeta, primeiro foram movidos por curiosidade e depois por desejo, e, enfim, resolveram levar o velho para Pisa para resgatar um tesouro enterrado na época da segunda guerra.


O tesouro não é exatamente o que eles esperavam, mas o objeto encontrado tem uma simbologia muito forte, da qual não irei tratar aqui para não perder o suspense do filme, caso alguém queira assisti-lo.


O importante a dizer é que, nesta viagem para Pisa, eles fizeram a jornada do herói. A viagem, o tesouro e amizade com o velho funcionou como um ritual de passagem para a vida adulta.


Joseph Campbell (O Poder do Mito) e Robert Bly (João de Ferro: um livro sobre homens), ambos acreditam que a nossa sociedade não fornece aos jovens, rituais por meio dos quais eles se tornariam membros da tribo, da comunidade.


Bly diz que uma mulher pode gerar um filho homem, mas não pode iniciá-lo. Somente um homem pode iniciar um homem, assim como, somente uma mulher pode iniciar uma mulher.


Através do conto alemão “João de Ferro” coletado pelos Irmãos Grimm, ele faz uma contextualização sobre o mundo masculino, principalmente a partir dos anos 60. Segundo Bly, antes da revolução industrial, os filhos homens saiam para trabalhar com seus pais, aprendiam a profissão do pai, seja na agricultura, ou como ferreiro, mineiro, sapateiro, alfaiate, ou na construção de sinos, ou na construção de igrejas. Os meninos passavam grande parte do tempo com homens mais velhos e com eles aprendiam a ser homens.


Na modernidade os pais foram trabalhar em escritórios com ar condicionado, a quilômetros de casa e passaram a não conviver com seus filhos, quando chegam em casa cansados, eles já não têm mais ânimo para brincar com os estes.


A educação dos meninos ficou por conta das mulheres e criou-se uma grande lacuna na educação desses meninos por conviverem cada vez menos com homens mais velhos.

O pai representa a ordem, a lei, as regras, os limites, e a mãe, tende a afrouxar essas regras.  


Os meninos passaram a formar uma opinião sobre seus pais a partir daquilo que suas mães lhes falavam, eles deixaram de criar uma opinião a partir deles mesmos. E a opinião da mãe é apenas a opinião da mãe, é a partir daquilo que ela acredita, daquilo que ela vivenciou, a partir de suas emoções – é a verdade dela e não necessariamente a verdade do filho. Há um momento que o menino precisa separar-se da mãe para tornar-se homem, é disso que a história trata.


Bly fala da necessidade do menino conviver com homens mais velhos, para que esses possam ser seus mentores, seus guias que os ajudarão a fazer a transição da meninice para o mundo adulto.


A minha dúvida é como iremos exigir direitos iguais se estamos falhando no básico?



Assista o trailer do filme:

Referências:


Bly, Robert. João de Ferro: um livro sobre homens. Rio de Janeiro: Campus, 1992.


Campbel, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 2014.


Tutto quello che voui - Ficção. Itália, 2017. Direção e Roteiro: Francesco Bruni. Empresa Produtora: IBC Movie, RAI Cinema.






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