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Terapia online: mudanças de paradigmas

Atualizado: 26 de jan.


Relações mediadas pela internet
Terapia online: mudanças de paradigmas

Prefiro ser essa metamorfose ambulante

Prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes

Prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Sobre o que é o amor

Sobre o que eu nem sei quem sou

Hoje eu sou estrela amanhã já se apagou

Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor ...

Raul Seixas




Num tempo não muito distante, as pessoas trocavam notícias escrevendo cartas, e as mais urgentes eram enviadas através de telegramas, que chegavam dentro de um espaço temporal de vinte e quatro horas. Depois, veio o telefone, trazendo as notícias mais rapidamente e a possibilidade de ouvir e ser ouvido, permitindo assim a interação entre o locutor e o ouvinte.


Anos mais tarde, alguém previu que todas as residências teriam um computador. Porém, um grande executivo da área de informática rebateu, dizendo que isso era utopia, porque não via que utilidade um computador poderia trazer a uma residência. Júlio Verne às avessas quase levou à falência a empresa para a qual ele trabalhava, uma vez que o computador, aliado à internet, invadiu os locais de trabalho, as escolas e as residências, permitindo assim uma nova forma de interação com o mundo.


Na década de 90, surgia no Brasil o aparelho celular, e, em 2003, nascia o Android na cidade de Palo Alto, na Califórnia (EUA). Em pouco tempo, as pessoas passaram a portar um celular Android com acesso a redes sociais, infinitos aplicativos, câmeras cada vez melhores e, tudo isso, aliado à evolução da internet móvel. Os hábitos diários tomaram novas formas de ser.


Uma única ferramenta permite fazer chamadas de voz ou de vídeo, enviar mensagens de texto ou voz, com ou sem mídia, organizar trabalhos em empresas, fazer transações bancárias, visitar museus pelo mundo, realizar pesquisas em bibliotecas virtuais, ler livros (e-books), receber notícias em tempo real de qualquer lugar do planeta, realizar compras, reservar passagens rodoviárias, aéreas e hotéis, encontrar parentes distantes e antigos amigos em lugares remotos, iniciar um namoro ou um encontro casual, gravar áudios, ouvir música, assistir filmes e muito mais utilidades.


A comunicação passou a ser instantânea e acessível a todos, não importa em que lugar do mundo você está ou a que classe social pertence. As tragédias passaram a ser filmadas e transmitidas em tempo real por qualquer ser vivente. Os anônimos viraram celebridades, e as celebridades passaram a cultuar milhares de seguidores nas redes sociais, criando entre eles um falso laço de intimidade.


Não é mais preciso contratar um fotógrafo. O indivíduo tira fotos dele mesmo (selfie), várias por dia, em diferentes atividades: acordando, no banheiro, no café da manhã, indo ao trabalho, do prato do almoço, do café da tarde, na academia e do jantar. E, de pijama, indo para a cama, é preciso dar boa noite para o mundo, como se o mundo não fosse ter uma boa noite sem a postagem desse sujeito.


Até mesmo a forma de morrer ganhou nova modalidade. Morre-se caindo dentro de cachoeiras, da beira de penhascos, em crateras de vulcões ou de outros lugares inusitados, sempre à procura do melhor selfie (que, no caso, não será postado).


Os casais experimentam uma nova forma de controle, já que é possível verificar o recebimento das mensagens enviadas e se a pessoa está online ou não. A vida alheia passou a ser controlada com apenas um clique. É possível saber se o indivíduo está solteiro ou enrolado, se está viajando, que balada frequenta, que restaurante foi pela última vez, que prato pediu, quem é a sua rede de amigos, quem é a sua família, onde estudou, onde trabalha, com qual partido político está alinhado, se tem alguma crença religiosa.


O GPS (Global Positioning System) do celular Android aposentou definitivamente os enormes guias Quatro Rodas, e hoje as pessoas chegam a qualquer lugar, inclusive a lugares que elas não queriam, e, às vezes, pagam com sua vida por estar nesses lugares indesejados.


O Aurélio também foi aposentado. Qualquer dúvida, de ortografia à língua falada nos Estados Federados da Micronésia, basta perguntar para o Google, que ele responde.


Enquanto Narciso ficou narcotizado com sua bela imagem refletida no lago, hoje os indivíduos estão narcotizados pela tela do seu celular, pelo seu próprio selfie, pelas suas próprias postagens, sempre à espera de um like. O celular se faz presente do banheiro às mesas de refeições, passou a ser um prolongamento, uma extensão daquele que o porta.


Estar conectado o tempo todo é uma exigência de um mundo desconectado do humano, da natureza e do outro, aquele outro que está logo ali. Deixar de responder mensagens por algumas horas é motivo suficiente para a sua família acionar a polícia. As respostas se tornaram urgentes.


As relações são mediadas pela internet. Não ter um perfil público ou uma conta nas infinitas redes sociais (Facebook, Instagram, Tumblr, Twitter, LinkedIn, G+, Skype, Duo, WhatsApp, Telegram, etc.) faz com que o indivíduo corra o risco de ser visto como um remanescente habitante das cavernas.


Nicolaci-da-Costa (2005) diz que a internet é uma tecnologia revolucionária que provoca alterações tanto no tecido social quanto nas formas de pensar, agir e ser de seus contemporâneos. Ao trazer uma nova "configuração psíquica", precisa ser estudada pela psicologia para não perder o acesso àqueles sobre os quais esta quer atuar. Ela ressalta que, sem conhecermos as características da subjetividade contemporânea, corremos inclusive o risco de nos tornarmos inadequados ou, o que ainda é pior, preconceituosos (como é o caso daqueles para os quais qualquer mudança recebe valoração negativa a partir de parâmetros tradicionais).


Recentemente, o CRP - Conselho Regional de Psicologia (maio/2018) revisou as regras para terapia online e, a partir da Resolução 11/2018, que deverá entrar em vigor até o final de 2018, estará totalmente liberada a terapia online, da mesma forma que ocorre o atendimento presencial.


Os psicólogos que desejarem fazer atendimentos online deverão fazer um cadastro nacional individual no site do Conselho Federal de Psicologia (https://e-psi.cfp.org.br/), a partir de 10/11/2018. A nova resolução tem como objetivo ampliar o acesso da população a serviços de saúde mental e, consequentemente, gera muitas discussões prós e contras.


O setting terapêutico é um lugar seguro de contingência para aquele que procura terapia. É um cenário montado visando o bem-estar do terapeuta e do cliente. É um lugar no qual o cliente poderá depositar seus medos, anseios, dores e traumas em total segurança. O encontro face a face que ocorre no setting terapêutico não é somente sustentado pela relação dialógica; é também um espaço simbólico no qual o silêncio, os gestos e a respiração são comunicações não verbais carregadas de conteúdos significativos.


Por outro lado, a terapia online não deixa de ser um encontro humano, porém mediado pela tecnologia. Na condição de profissionais que cuidam da saúde mental, nós, psicólogos, estamos preocupados com a forma adequada de um atendimento terapêutico, com as questões éticas envolvidas, com os oportunistas que poderão transformar a terapia em qualquer outra coisa, menos em terapia de fato; estamos preocupados com os descaminhos que a Psicologia pode tomar ao abrir essa modalidade de atendimento, equiparando-a ao atendimento presencial.


Contudo, não podemos negar essa nova forma de terapia. Ao negá-la, corremos inclusive o risco de nos tornarmos inadequados ou, o que ainda é pior, preconceituosos – como é o caso daqueles para os quais qualquer mudança recebe valoração negativa a partir de parâmetros tradicionais (Nicolaci-da-Costa, 2005).


Concordo que a terapia online não será igual ao encontro face a face permitido no setting terapêutico, mas teremos que nos adequar e procurar novas formas de entrar em contato com a alma humana, porque, se nós, que temos consciência das questões que envolvem nossa profissão, não o fizermos, os oportunistas de plantão o farão.

Precisamos pensar que existe uma gama enorme de pessoas que poderão ser beneficiadas com a terapia online: brasileiros no exterior, pessoas com dificuldade de locomoção, pessoas que vivem em lugares nos quais não há demanda de psicólogos, pessoas diagnosticadas com depressão que não conseguem dar o primeiro passo em busca de terapia, pessoas com síndrome do pânico, e mesmo os adolescentes tão habituados às novas tecnologias poderão ser favorecidos por essa ferramenta.


Penso que, ao invés de negarmos essa modalidade de atendimento, talvez seja melhor criarmos meios e técnicas para que elas possam ser desenvolvidas da melhor forma possível, sem nos distanciarmos da teoria e da ética.


Antes de contratar um profissional, entre no site do Conselho Regional de Psicologia, através do link <https://e-psi.cfp.org.br/>, para verificar se esse profissional está devidamente autorizado pelo CRP para fazer atendimentos mediado por tecnologias da informação.



Referencia:

Nicolaci-da-Costa, Ana Maria. Primeiros Contornos de Uma Nova "Configuração Psíquica" in Psicologia e informática: desenvolvimento e progresso. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

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